segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Aula e aprendizado

É duro admitir, mas um gosto amargo sempre fica à boca diante da perda de algo ou de alguém. Mas, como saber o que é perder, o que é ganhar? É preciso avaliar, sem paixão os acontecimentos, os riscos, os danos causados no fluxo da vida.

Fiquei pensando nisto entre ontem e hoje cedo e processando as informações diante da derrota do Santos Futebol Clube, o glorioso alvinegro praiano (reforce-se), ao poderoso Barcelona, na final do Mundial de Clubes da FIFA, em Yokoyama, Japão, neste final de dezembro.

Pois bem, passadas as primeiras horas, trocadas algumas palavras com amigos ou silenciadas outras (ontem, ao dormir, ouvi de minha mulher a se referir a meu filho e meu cunhado – torcedores amantes apaixonados pelo Peixe: os santistas nem se falaram hoje – é possível refletir sobre as vitórias e as derrotas.

Numa mensagem eletrônica, meu cunhado Irair lembrou a frase contida numa canção de Belchior: o passado é uma roupa que não nos serve mais.  Talvez ainda sirva como lição a ser aprendida, e, se necessário usá-la, reformá-la, afinal, reformas também ajudam a construir, aproveitar, reciclar, reaproveitar, reutilizar, com novos olhos.

No Facebook, por exemplo, as coisas já rolaram (e é natural que as pessoas se coloquem, curtam, cutuquem os amigos – adversários apenas nos campos – e, cá entre nós, é um momento de delírio ver o time alheio se arrastando e contando as horas que o jogo acabe quando se está perdendo (e perdendo feio), não apenas por um ou dois gols. Acontece. Na vida, tudo acontece. Amigos, amigos, negócios a parte, já diria Neymar a Dani Alves, o baiano mais Catalão que o país já gerou.

No passado, o grande presidente americano John F. Kennedy lembrava: “A vitória tem mais de uma centena de pais - a derrota, por outro lado, essa, é órfã." Por isso, aos amigos, ora desolados pela derrota, curtindo (ou não) os rojões da nação hispânica que se instalou no país para saudar a vitória coletiva do Barça e, junto a ela a frustração de não ser o seu time (ganhador de Libertadores ou não ou ganhador do Mundial de Clubes) a estar ali, em solo japonês, o tempo de viver a orfandade da página que se virou ontem e partir para 2012, com o ingresso ao novo tempo, ao novo show e à possibilidade de voltar à cena, com coragem, com garra, com leveza e aprendizados novos.

E, falando em zoeira, este texto só foi possível porque minha Secretária do Lar, hoje, após o café matinal e ela se colocar a postos para a brava segunda-feira que antecede o Natal ter chegado sorrateiramente quando eu estava consultando meus emails, me disse: - e aí, Sr. Elísio, gostou da aula que o Barça deu ontem no seu time?

Pensei na resposta. Isso era inevitável, pois, como ela é integrante da maior torcida do Brasil, a fiel, precisava caprichar no placar para revertê-lo e emendei:

- Gostei muito, Ana. Uma boa aula é sempre importante e espero que isso sirva de lição, inclusive, a seu time para quando, um dia, após passar por todas as dificuldades de ser Campeão da Libertadores, possa, no Japão ou onde for não ser um aluno que se submeta a uma lição tão grande como a que o Santos ontem aprendeu!

Mas falando em lição, reporto-me aos comentários do grande Noriega junto do Milton Leite, dupla imbatível nas transmissões, quando o primeiro disse que o Santos respeitou demais e temeu o Barça e, como tal, extirpou do campo sua alegria de jogar, pelo menos. Com efeito, temeu, respeitou, temeu... Fica, também, como lição uma frase do filme Vem dançar comigo, quando a experiente dançarina recomendou à sobrinha para não temer os desafios do concurso de danças e arrematou: viver com medo é viver pela metade. Que se viva, integralmente, sempre!

E, para terminar o texto motivado pela fala de Ana, a doce empregada, trago Saramago para fazer lembrar que a história se constroi, a vida segue seu fluxo, o Sol, na terra em que ele nasça ou não, haverá de brilhar outro dia e pensar, sempre na importância de todas as aulas, não só na aula magna do Barcelona, que "O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas." - José Saramago

terça-feira, 26 de abril de 2011

Notícia de jornal

Há dias me vem à memória o samba cantando por Chico Buarque sobre o final da história de amor de Joana de Tal com um tal João. Semelhante às tragédias da vida real, Joana quis dar cabo da vida; não conseguiu. Medicada, de volta para a casa, ela se pega sem lar, sem amor. É apenas alguém que errou na dose, errou de João. Ninguém notou, nem morou na dor que era seu mal.

Joana, a mulata errante, sem João, Pessoas de Tal, moradores de barracos humildes, anônimos, vítimas de amores desfeitos, logo, sem jeito, na cena confirmam o refrão-conclusão da música: “a dor da gente não sai no jornal”.

Como tantos outros cidadãos, suas histórias, seus medos, suas perdas e seus danos, a quem interessa a dor de Joana de Tal? O que fazer com a imensidão de encontros e desencontros que assolam alguns ali, devassam tantos acolá? Assim como a história de Joana e de João, melhor não escrever, cantá-la, apenas em versos e acordes possíveis.

E por que não escrever as histórias ricas de vida? Talvez porque dê trabalho, ou pela dificuldade em lidar com elas. Podem confundir, já que são histórias não ensinadas na escola, nem nas faculdades. Os “causos” dos barracos, das vilas, dos engenhos, do mato, suas cores e dores, que deles se encarreguem poetas, seresteiros e os embalem as cantigas e as rodas de samba, em noites de desabafo.

De fato, dores de toda a gente como Joana, não têm vozes, apesar dos gritos e gemidos; não saem, pois, no jornal. Expressam-nas os versos, como os que compõem a música A massa: “a dor da gente é dor de menino acanhado, menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar”.

De mães e encantamento

O poeta Carlos Drummond, em seu poema Para sempre, pergunta intrigante: Por que Deus permite que as mães vão se embora? Tal qual o poeta, muitos repetem a mesma pergunta que ecoa..., simplesmente ecoa...


O real assustador é que a hora chega e, com a realidade desnudada, a sensação de abandono, a falta de chão, é tal qual o momento da separação do seio-alimentador dos primeiros tempos de vida.

Mas, após a separação – fosse para receber um irmão, novo titular do leite natural, a mãe ali estava, para criar mais um filho, com amor infinito. Ou mesmo quando era tempo de escola, aos sete anos, uma nova ruptura. Como o sinal da aula, a mãe era presente para levar ao colégio, para brigar na escola contra todos os perigos possíveis a seu bem mais precioso.

Na juventude, outra separação: ganhava-se a rua, os amigos contra o sono perdido. De volta a casa, a que hora fosse, a mãe bem perto era acalanto para perdas, danos ou porres homéricos.

Ao ingressar no mundo do trabalho, outro corte: mas a roupa cuidada, a chamada matinal, as refeições, os bons conselhos e a torcida para que o melhor filho do mundo fosse o melhor profissional, era presente materno vivo.

O casamento: um novo rompimento. Tempo depois, sua presença no papel de avó proclamava que a vida se recicla e ressurge especialista na função de zelar, de proteger e de amar mais gente.

Porém, sem esgotar o potencial de amar, um dia, as mães partem. Retiram-se de cena. Deixam-nos. Travados, disfarçamo-nos, como crianças, a perguntar: – por que está fria, mãe? Por que cerrou seus olhos? Mas, parafraseando Guimarães Rosa, não morrem: ficam encantadas!

Quase maio, dia das mães 2011