quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

E O MENINO FEZ UM ANO, EM 2014

Aprendi com o terapeuta Oswaldo Longo Jr que as comemorações de aniversários podem durar até que se comemore o próximo. Pois bem. Acreditei e tomei a sério a conversa travada no confessionário das relações de vida. Há mesmo muita coisa a contar de um a outro fato, caro Oswaldo.
Em 25 de fevereiro de 2013 escrevi uma carta inicial ao menino Theo, meu neto querido. O dia de seu nascimento. Um final de dia de tumultuosa alegria. O tempo para quem se alegra ao longo das novidades, ainda que aparentemente duradouro, passou logo. Em 2014, singelamente, na intimidade familiar, cantamos os primeiros parabéns a você, com a participação do pequeno causador de tamanha felicidade em família.
O garoto, àquela época, já andava, balbuciava algumas palavras e distribuía sua energia a seus avós, seus pais e a seus tios. Vestia-se numa bata branca que o deixava ainda mais iluminado, e encantado com a singela decoração do painel dos bichos – leões, macacos, tigres, girafas – um de seus interesses – marca de sua primeira festa entre parentes mais próximos.
O ano novo de 2014 também se teceu rápido. Talvez o crescimento do menino impedisse a paixão de ver a razão com que o tempo imprime sua velocidade e seu ritmo. E o menino danou a falar, a surpreender a todos com sua esperteza, ligeireza, gostos, caras, bocas, risos frente ao mundo a descobrir.
Ouvir-lhe a voz, ver os dentes nascerem, acompanhar seu desenvolvimento é comparável à redescoberta da vida. A escola infantil, quanta contribuição teve na vida do pequeno grande garoto. Ritmado, já me fez descrever a balada à beira do berço, publicada no blog em dezembro de 2013, Theo não resiste a um bom som. Canta, dança, salta, pula, e dedilha sua guitarra com ares de grande tocador.
Toda esta evolução do garoto constitui-se presentes antes e depois do primeiro aniversário, verdadeiros presentes a nós: pais, avós, tios, tias e amigos. A cabeça registra as emoções e estas se misturam ao calendário cronológico de uma vida tocada pela alegria de ter o menino à volta.
Por exemplo, ouvi-lo, numa viagem da família, em setembro ido de 2014, chamar-me e também a sua avó Su por vovozinho e vovozinha, é som de singularidade particular. Um carinho grande de gente enorme. Sem preço.
O mundo particular do menino neto, entre nós, se desenha ao brincar, interagindo com as pessoas e entre seus bichos – cavalos, porcos, carneiros, patos, boi – todos devidamente nomeados, seus dinossauros, seus carrinhos, e ainda, a apropriação dos velhos homenzinhos da marca Playmobil, guardados há mais de trinta anos pelo tio-padrinho Guilherme, é uma dádiva ver, participar, e sentir a vida acontecendo.
A aproximação do segundo Natal de Theo trouxe o encantamento das cores da árvore com suas bolas, luzes e o Papai Noel. É de fazer crer a quem tenha perdido o sentimento de magia perante a data que basta observar os olhos da criança em períodos assim. A inocência e encantamento curvando-se ao admirar as luzes diante do mistério da chegada o velho Noel. Mais lindo do que isso: ver o menino colocar seus bichos de pelúcia para esperarem juntos pelo bom velhinho. Coisas da mágica infância.
Ouvir – e curtir – as conversas de Theo é uma aventura surpreendente. E como fala o bichin, como diria meu saudoso avô Marcelino. E o aprendizado da linguagem, com o desenvolvimento das funções superiores defendidas por Vygotsky são bem acentuadas ao observar-lhe o comportamento tagarela frente aos símbolos. Ele ouve as avós, em particular a vovó Su, a mãe e – certamente outras pessoas a pronunciarem: - coitadinho disto, coitadinho daquilo e, muitas vezes escuta também a palavra “judieira”, a qual dela se serve em situações específicas.
Recentemente o pequeno neto veio ficar um bom tempo de sábado a domingo, quando os pais tiveram um evento. Pronto: a casa é toda dele, a rotina se volta toda a embalar o garoto. A avó Su que o diga. Pois bem, numa das escapadas da vigilante do neto para um banho rápido, o menino ficou com o avô. E pediu um biscoito da galinha pintadinha (o que não fazem para vender?) e eu disse a ele que pegasse o pacote, o qual ele bem sabia onde estava. E, sob recomendações de cuidado com os degraus da casa, lá foi o menino pegar o pacote.
Com o pequeno pacote na mão – embalagem que encanta também a criança – ele voltava ao outro espaço da sala onde estávamos, embevecido com a imagem da galinha, descuidou-se de subir o degrau com o qual trombou. Resposta imediata um choro de tirar a avó do banho, com todo o exagero da fala. Socorri-o depressa e, no breve choro ele disse:
− Coitadinho do Theo!
Não sabia o que fazer. O meu contentamento pela expressão do neto foi tão grande quanto o sentimento de vê-lo chorando, e apiedando-se diante da leve queda. Tudo foi dissipado brevemente.  O choro deu lugar à alegria do menino em seguida.
Próximo de casa tem algumas atrações de agrado de Theo: a praça, as calçadas, a cachorrada das casas, os gatos que se espalham e se ajuntam em algumas residências, dentre eles, os que moram nos bueiros, por ele chamado de “bulaco”. Há também uma loja próxima a uma avenida, cujo animal da marca é o leão.
Ao ver a loja, os olhos do menino não são certamente às vitrines, mas às paredes ao alto, em que, numa delas, na esquina há a figura de um grande leão, noutra, fechando a esquina, outros três. Ele se encanta com a grandeza das imagens e ao vê-las diz: - um leão, três leões. E junto disto tudo vem a canção: leão, leão, leão, és o rei da criação. Como o velho coração sexagenário se comporta diante disto tudo? Fantasticamente maravilhoso.
Nestes passeios nossos, é comum que o rapaz prefira andar, a fim de poder correr em disparada pelas calçadas. Sempre para e explora o que vê. Formigas, plantas, pedaços de madeira, papel, e tantas outras coisas, como ele afirma: - quanta coisa! Ao correr, tenho de fazê-lo também, para a alegria dele. A ação conjunta o diverte e corre dizendo: − o Theo e o vovolisio, todo mundo correndo. Pode isto tudo?
 Uma aventura iniciada há algum tempo (como se o rapaz tivesse anos.... mas a gente não sabe valorar o tempo de amor quando se envolve com o neto) é o que ele chama “passear de varinha”. Um dos vizinhos tem na calçada uma cheflera (schefllera arborífica). As folhas da árvore são presas a uma haste de 30 a 40 centímetros. Ela sugere uma vara como se fora uma bengala. O garoto curte demais andar apoiando-se a ela, com a qual faz suas danuras ao longo do programa. E eu tenho de também utilizar a minha, por ordem do moço: duas varinhas: a do Theo e a do vovolisio.
Outro dia cismou que a base donde saem as folhas fosse um bico de um pato. E demorou investigando aquilo tudo. Sempre voltamos a casa com as varinhas, objeto de passeios divertidos.
Há muito para contar em quase vinte e três meses. O bom tempo da infância passa depressa e é sabido que este período não volta mais. Na mente, no coração de quem tem a criança por perto se cimentam as alegrias, as observações, as emoções, os abraços dados diante de cada atitude dos seres singulares de cada criança.
Amalgamando meu olhar a toda a obra que se constroi ao ver a vida acontecer com o pequeno Theo rendo-lhe a homenagem pelo presente que nos dá ao ter feito o seu primeiro ano, antes que chegue fevereiro, vinte e cinco, dois mil e quinze e esta história carimbe o ano dois deste menino que tanta alegria me/nos dá. Vida longa ao querido neto.

Com um abração de seu vovolisio. 

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Carvalho vitorioso

Um verdadeiro Carvalho nasceu no Oeste baiano, no ano de 1933. A data, a considerar o registro civil – se feito a bom tempo – guarda o mês de julho, no entanto, o vicejar do broto a terra foi em maio, vinte e cinco.
Os ventos dos bons ares trouxeram para terras paulistas o pequeno Carvalho, que acabou por fincar raízes em sua terra querida: as terras de Manoel também baiano, Alves de Athaíde, o povoado de São João da Saudade, à qual chegara com outros legítimos representantes da boa família, no final dos anos trinta.
O Carvalho se desenvolveu. Cresceu, formou-se. Para conhecer um pouco mais das letras e das palavras, a árvore rompia caminhos diários em busca da alegria do saber, da propriedade rural a que residiu por anos, com distância considerável do povoado, a considerar que a distância se rasgava por caminhada de horas a pé.
Era a força do Carvalho a nutrir sua esperança. E assim se fez a história, até que a singularidade da vida espiritual tomou conta da jovem árvore, aos doze anos. Durante quase 70 anos a árvore nutria-se dos saberes e dos sabores de que a alma necessita. E deixou-se envolver pela esperança de vida eterna, com a singeleza pedida pela vida cristã. Assentou-se à mesa do Senhor por anos; harmonizou-se ao espírito da paz, da caminhada, da certeza de um novo alvorecer.
E o Carvalho forte, árvore utilizada pelos botânicos e geólogos como medidor de catástrofes naturais do ambiente, no sentido de descobrir o índice de temporais e tempestades duma floresta olham e observam a espécie, por ser aquela que mais absorve as conseqüências dos fenômenos.  À medida que os enfrenta mais forte fica a árvore.
As raízes da espécie aprofundam-se mais na terra, seu caule se robustece, e, como tal, blinda-se contra as adversidades, contra temporais e vendavais. Frente a eles, o Carvalho demonstra mesmo numa aparência disforme, a ponto de sugerir um aspecto de tristeza à força descomunal que a toma. E de vendaval a tempestade, a espécie fortalecida cumpre seu papel na natureza.
E o tempo dos frutos lhe chega. Carvalho constituiu sua família. Criou-a, educou-a, ensinou-a que a vida vivida exige coragem, força, fé e foco. A árvore evidenciou a seus cinco carvalhinhos de sangue que a tempestade arranca árvores, mas que Carvalhos permanecem de pé. Para isto, é preciso estudar, E ela amava as letras, os escritos e as escrituras com paixão tal e dos quais nunca se separou. Escolheu ensinar que as veredas – longas veredas – se rompem com o conhecimento que liberta. E uma vez disse: - sei que não conheço tudo, mas sei de tantas coisas. Isto sem nunca ter lido Guimarães Rosa ou Paulo Freire.
E sua prole se realizou. Fez cumprir o ensinamento da boa senhora Carvalho que Faria se tornou, com grande orgulho. E deu ao mundo Ely, Jessé, Jenner, Eliane, meus amados irmãos, cada qual com sua família, para o orgulho maior de Otília, a árvore-mãe querida. A mãe-Carvalho de Faria – que tanta vida, sombra, flores e frutos produzira – quedou-se na manhã de catorze de janeiro de dois mil e quinze. Deixou-nos na travessia com os olhos opacos de dor, mas com o coração – ainda que quebrantado – saudosos e esperançosos de amor.
A boa árvore de mais de oitenta anos, dava sinais de que a vida vinha se esvaindo lentamente ao longo dos dois últimos anos. Não obstante a isso, continuava a tecer esperança no mais verde de seus tons foliares.
O tempo todo que antecedeu sua partida manteve-se altiva, otimista, afetuosa, e, acima de tudo, passava a forte imagem de seu bom humor, sua comunicação e inventividade; insistia em oferecer sombra boa a quem lhe procurasse refrigério.
A mãe-árvore combateu o bom combate. Venceu a morte, deitou-se nos braços do Pai Celestial, a quem professou o amor incondicional. Em seu funeral, a palavra mais expressiva, plena de consolação sobre a terra jurada a Abraão, a Isaque e Jacó, que a fez ver os olhos de Moisés, terra esta a ser, um dia, também adornada com a digna honra do Carvalho vitorioso.

Elísio Vieira de Faria. São José do Rio Preto, triste verão de 2015.