terça-feira, 26 de julho de 2016

A força do amor

Empresto, com certa ousadia, o título da canção de Cleberson Horsth e Ronaldo Bastos, interpretada pela Banda Roupa Nova. Em toda a composição os autores sugerem a naturalidade como o amor se move e dizem: “abriu minha visão o jeito que o amor, tocando o pé no chão, alcança as estrelas. Tem poder de mover as montanhas, quando quer acontecer, derruba as barreiras”.
De fato. No último domingo, dia 21 de novembro, percebi o fantástico poder e o mágico movimento de montanha, num pequeno gesto. A cena por si pode se nominar como as razões do amor.  Muito embora, de acordo com os místicos e os apaixonados, o amor não tem razão alguma. Silésius, místico medieval, dizia que o amor pode ser comparado à rosa, já que ela não tem porquês: floresce porque floresce.
Então, era domingo, final de primavera, aragem quente na paisagem do interior paulista, estava num hospital, acompanhando meu sogro em sua luta pela vida. Dura batalha travada por ele ressalte-se.
Ele, ali com suas dores e temores, parecia não se importar se era domingo, nem com a temperatura, nem mesmo se havia uma partida de futebol, uma de suas diversões prediletas, ocasião em que, como corintiano da cor da paixão, o arrebatasse para a televisão, como forma até de minimizar as agruras do tratamento.
O mar não estava para peixes, nem o dia para futebol. A magia da TV não fora o bastante para aliviar dores insistentes.
Quase no final da tarde, o jogo acabando, com a vitória do time de Parque São Jorge, ou do Pacaembu ou quiçá do Itaquerão, o amor, esse sentimento dimensional, deu as caras e fez confirmar mais um dos versos da canção que se emprestou para essa reflexão: “não tem hora de chegar” e entrou de mansinho, alegrando o ambiente. Minha mulher, palmeirense confessa, muito simpática ao Santos Futebol Clube, trouxe, sem hora certa de chegar, uma demonstração de amor que se dá graciosamente, como sentimento que se semeia ao vento, para muito mais daquilo que, porventura, esteja fixado nos livros, nos poemas, ou em regulamentos. Ama-se e pronto; ama-se, porque se ama.
Ela buscou sua inspiração nas portas dos apartamentos que ostentavam que mais uma Natália, ou Pedro, ou Eduardo, ou mesmo Giovana tivesse vindo ao mundo. À porta de seus quartos, a vida se estendia resumida num par de sapatinhos, num instrumento musical, numa minúscula camisa ou outra forma de expressão de que o amor ali frutificara.
Não deu outra: para homenagear o pai, fazer dele o seu motivo e movimento de amar, passou parte de sua tarde, em casa, a preparar os adornos a um par de chinelos do tipo havaianas, ganhado pelo pai, atá-los bem entre fitas alvinegras, para enfeitar a entrada do apartamento.
O amor se deu, movimentou-se, ergueu os pés e tocou as estrelas, em forma de gol, em forma de time, de paixão, ali se metaforizou e ganhou a simpatia de enfermeiros e transeuntes taciturnos que, muitas vezes, fazem dos corredores de hospitais, seus espaços para breves caminhadas.
A vitória pretendida pelo timão foi barrada naquele domingo pelo Vitória, mas o amor filial se fez forte e lá ficou dependurado, expressão máxima de inspiração e de admiração. Sou obrigado a vergar-me a Silésius: o amor, tal qual a rosa, floresce porque acontece.



São José do Rio Preto, 24 de novembro de 2011.

Dia de avô

Todo dia é dia: de índio, de trabalho, de jogo, de levantar, de dormir, de passear. Todo dia, também é dia de avô.
Um desses dias dos dias, eis que saí para acompanhar a vovó Su a um exame. Final de tarde. O exame seria demorado – o médico ainda nem havia chegado e já era a hora de o exame acontecer – “todo dia é dia de aguardar, também”. Vovó Su sugeriu que eu pudesse esperar ou ir a algum lugar e retornar.
Entre a ida e a vinda, fui parar num dos Sebos da cidade à procura de livros. Entretive-me com as obras da livraria, escolhi algumas delas e retornei para a clínica onde vovó Su ainda esperava pelo médico e pelo exame.
Antes disso, porém, girando pela região onde o Sebo foi parar após a mudança de seu endereço, uma placa de escola infantil chamou-me a atenção. Descendo, devagar a rua, dado o trânsito que marca a saída das escolas em seus turnos, pelo retrovisor vi um carro preto, conhecido, estacionado, com o seu dono parado ao lado.  
Adiante, parei o meu carro, e dirigi-me ao lugar onde estavam o carro e o seu condutor, meu genro Paulinho, que fora buscar o filho no final da jornada escolar do dia. E a criatura feliz estava dentro do carro em seu banco.
Que encontro! Que dia de avô tive naquela tarde fria de junho. Meu neto Theo deu-me um desses presentes que criança costuma dar e, de repente, quebrar as certezas, as rudezas, as idiossincrasias de gente grande: o afeto de neto, sem preço, sem custo, sem limites.
Tirei o menino de seu banco, que, a meu colo, olhava-me com um amor tão profundo e conversava muito tentando – a seu modo expressar a sua felicidade, ou seria a minha felicidade – agora não sei mais dizer: era tanta a felicidade ali, em frente à escola do garoto.
A primeira pergunta que ele me fez: - vovô, por que você não está em sua casa?
Fiquei pensando em como responder à lógica do questionamento do menino, que me permitiu uma leitura breve (o que meu avô está fazendo em frente da minha escola, se aqui não é o lugar dele?). Pois bem, disse que estava de passagem e que iria ... - (sem que ele me desse tempo e emendou com a pergunta:  – onde está a vovó Su?
Após as perguntas iniciais, começara o festival da mais profunda alegria. O menino, em êxtase pelo fato inusitado de o avô estar em sua escola, chamou-me para ver a placa com o nome da escola, aliás as duas placas de identificação do lugar. E, aos poucos os pais dos seus colegas de turma iam chegando para apanhar os pequenos e ele, deslumbrado me apresentava aos amigos: é meu vô, seu nome é Elísio, ele está aqui, olha, olha!
Entre abraços, apertos, risos de contentamento daquela tarde festiva para nós dois,  vi passar o Felipe, o Augusto, a quem tive de segurar num braço (o outro era do Theo) para dividir o amor de avô por instantes. E vi a Luísa e vi outras crianças e vi também os pais deles. 
Discreto, silencioso, emocionado, o pai do menino, Paulinho, meu genro, tenho certeza, registrou aquilo tudo em seu coração emotivo. Vibramos, sem trocar uma palavra sequer naquela cena.
A palavra àquela hora não era de gente grande. Era o momento neto. Era a hora do menino. Era a hora do presente. Era o dia de avô, destes que acontecem. Naturalmente, cotidianamente, ou por um traçado da coincidência que, de repente, faz da rua da escola a passarela para a expressão amorosa de viver.

Obrigado, meu querido neto Theo por fazer, também, de um final de dia frio de junho, em 2016, um dia de avô. Com amor imenso, vovoLísio. Rio Preto, 26 de julho de 2016.