segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Carvalho vitorioso

Um verdadeiro Carvalho nasceu no Oeste baiano, no ano de 1933. A data, a considerar o registro civil – se feito a bom tempo – guarda o mês de julho, no entanto, o vicejar do broto a terra foi em maio, vinte e cinco.
Os ventos dos bons ares trouxeram para terras paulistas o pequeno Carvalho, que acabou por fincar raízes em sua terra querida: as terras de Manoel também baiano, Alves de Athaíde, o povoado de São João da Saudade, à qual chegara com outros legítimos representantes da boa família, no final dos anos trinta.
O Carvalho se desenvolveu. Cresceu, formou-se. Para conhecer um pouco mais das letras e das palavras, a árvore rompia caminhos diários em busca da alegria do saber, da propriedade rural a que residiu por anos, com distância considerável do povoado, a considerar que a distância se rasgava por caminhada de horas a pé.
Era a força do Carvalho a nutrir sua esperança. E assim se fez a história, até que a singularidade da vida espiritual tomou conta da jovem árvore, aos doze anos. Durante quase 70 anos a árvore nutria-se dos saberes e dos sabores de que a alma necessita. E deixou-se envolver pela esperança de vida eterna, com a singeleza pedida pela vida cristã. Assentou-se à mesa do Senhor por anos; harmonizou-se ao espírito da paz, da caminhada, da certeza de um novo alvorecer.
E o Carvalho forte, árvore utilizada pelos botânicos e geólogos como medidor de catástrofes naturais do ambiente, no sentido de descobrir o índice de temporais e tempestades duma floresta olham e observam a espécie, por ser aquela que mais absorve as conseqüências dos fenômenos.  À medida que os enfrenta mais forte fica a árvore.
As raízes da espécie aprofundam-se mais na terra, seu caule se robustece, e, como tal, blinda-se contra as adversidades, contra temporais e vendavais. Frente a eles, o Carvalho demonstra mesmo numa aparência disforme, a ponto de sugerir um aspecto de tristeza à força descomunal que a toma. E de vendaval a tempestade, a espécie fortalecida cumpre seu papel na natureza.
E o tempo dos frutos lhe chega. Carvalho constituiu sua família. Criou-a, educou-a, ensinou-a que a vida vivida exige coragem, força, fé e foco. A árvore evidenciou a seus cinco carvalhinhos de sangue que a tempestade arranca árvores, mas que Carvalhos permanecem de pé. Para isto, é preciso estudar, E ela amava as letras, os escritos e as escrituras com paixão tal e dos quais nunca se separou. Escolheu ensinar que as veredas – longas veredas – se rompem com o conhecimento que liberta. E uma vez disse: - sei que não conheço tudo, mas sei de tantas coisas. Isto sem nunca ter lido Guimarães Rosa ou Paulo Freire.
E sua prole se realizou. Fez cumprir o ensinamento da boa senhora Carvalho que Faria se tornou, com grande orgulho. E deu ao mundo Ely, Jessé, Jenner, Eliane, meus amados irmãos, cada qual com sua família, para o orgulho maior de Otília, a árvore-mãe querida. A mãe-Carvalho de Faria – que tanta vida, sombra, flores e frutos produzira – quedou-se na manhã de catorze de janeiro de dois mil e quinze. Deixou-nos na travessia com os olhos opacos de dor, mas com o coração – ainda que quebrantado – saudosos e esperançosos de amor.
A boa árvore de mais de oitenta anos, dava sinais de que a vida vinha se esvaindo lentamente ao longo dos dois últimos anos. Não obstante a isso, continuava a tecer esperança no mais verde de seus tons foliares.
O tempo todo que antecedeu sua partida manteve-se altiva, otimista, afetuosa, e, acima de tudo, passava a forte imagem de seu bom humor, sua comunicação e inventividade; insistia em oferecer sombra boa a quem lhe procurasse refrigério.
A mãe-árvore combateu o bom combate. Venceu a morte, deitou-se nos braços do Pai Celestial, a quem professou o amor incondicional. Em seu funeral, a palavra mais expressiva, plena de consolação sobre a terra jurada a Abraão, a Isaque e Jacó, que a fez ver os olhos de Moisés, terra esta a ser, um dia, também adornada com a digna honra do Carvalho vitorioso.

Elísio Vieira de Faria. São José do Rio Preto, triste verão de 2015.

6 comentários:

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    1. Minha alma partida, Drica, fragmentada, mas plena de amor deu aos amigos este presente. Um abraço.

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  2. Mães são carvalhos, cujos brotos nela se fortalecem e, mesmo quando plantados em outro lugar, carregam sua essência. Um dia as mães vão embora, mas quando partem, deixam muito de si. Ficam em seus brotos, ficam em seus frutos. Linda e forte comparação. Belíssimo texto de uma alma verdadeiramente poética.

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    1. Mães são mesmo carvalhos, cara Sílvia. Obrigado pelo apreço e apreciação. Um abraço.

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  3. Boa Noite estimado amigo Elísio!
    Estimado amigo Elísio e Família, recebam os nossos sentimentos pelo falecimento de vossa amada GENITORA Sra.Otília, que Deus conforte e ilumine toda esta linda e amada família.
    Elísio ao escrever e pensando como, e o que escrever, então me lembrei de Santo Agostinho, pois tenho muita FÉ em Jesus, e estas palavras irão neste momento trazer conforto e muita luz nessa nova etapa de sua vida. Que Deus os ilumine e conforte!

    "SANTO AGOSTINHO"

    A morte não é nada. Eu somente passei...

    A morte não é nada. Eu somente passei para o outro lado do Caminho.

    Eu sou eu, vocês são vocês. O que eu era para vocês, eu continuarei sendo.

    Me deem o nome que vocês sempre me deram, falem comigo como vocês sempre fizeram.

    Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu estou vivendo no mundo do Criador.

    Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos.

    Rezem, sorriam, pensem em mim. Rezem por mim.

    Que meu nome seja pronunciado como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo. Sem nenhum traço de sombra ou tristeza.

    A vida significa tudo o que ela sempre significou, o fio não foi cortado. Porque eu estaria fora de seus pensamentos, agora que estou apenas fora de suas vistas?

    Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do Caminho...

    Você que aí ficou, siga em frente, a vida continua, linda e bela como sempre foi.
    De seus amigos Silvio, Dulce e Beatriz.

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    1. Um abraço especial ao Sílvio, filho de um casal a quem tributo muito do meu carinho: meu mestre Waldomiro Franco Golmia, e a Prof.a Sívia, sua esposa, que já estão acolhidos nos braços de Deus junto ao amado filho Névio. Caro Sílvio, sua homenagem faz com que o coração serene, a alma aquiete e a esperança dê o tom de viver aqui, enquanto Deus pai quiser. Um abraço grande.
      Elísio Faria e família.

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