quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Primeiro Natal do menino Theo

“Deus abalou o mundo com um bebê, e não com uma bomba.”
CHARLES GRANT

2013. Um ano quase como todos os que já se passaram, não fosse pela chegada de um bebê na família, para abalar corações. O pequeno Theo, nascido em 25 de fevereiro, completa, em seu primeiro Natal, dez meses.
Foram meses de diferença na vida de seus pais, de seus avós, de seus tios, de seus bisavós e dos amigos de toda esta gente.
Então, eis que chega o Natal para o menino Theo. Quando ele passa pelo portal de acesso da casa de seus avós maternos, um Papai Noel de barbas encaracoladas, com seu gorro dourado, seus óculos de aros negros, sua pele rosada, recebe o grito de alegria do garoto, a saudar o bom velhinho em sua mais pura inocência da infância.
A nossa casa e a expectativa do Natal se transformam em alegria ímpar. É o primeiro evento a contar com o mais novo integrante da família. Os olhos do guri procuram pela felicidade que a infância consegue captar de maneira natural e o Natal se vai desenhando de uma forma mais precisa, mais pura, mais verdadeira.
De repente, como os padrinhos do menino tinham de viajar para passar o Natal com a família da madrinha, era o momento de entregar o presente ao afilhado. E lá foram os tios-padrinhos a participar do momento solene. Os olhos da criança se encantavam com tudo o que via. Um carrinho-andador (não destes proibidos), mas algo que estimula o bebê a, além de dar os primeiros passos, é da série crescer brincando, o que envolve coordenação motora grossa e fina, estimula habilidades cognitivas por meio da exploração e experimentação e, ainda, promove a integração visoespacial, mediante a manipulação de peças.
Cá entre nós, o menino vai demorar um tempo para sacar tudo o que a caixa traz escrito, mas que ele gostou muito, isto é fato imediato. A contar pelos gritos dados, pela curtição em empurrar, a seu bel-prazer, o presente ganho.
Coube à vovó Sueli, a vovoluca, carinhosamente tratada pela filha-mãe, a escolha de um presente para o neto, o primeiro, assim significativo, sem ostentação, como preferem os pais do menino. Pois bem, feitas as escolhas, o baby car homeplay começou a rodar pela casa a partir da abertura da grande caixa. O presente fez o efeito desejado: passear com o proprietário em seu primeiro carrão. Sem nenhuma instrução sobre a utilização do veículo pelo fabricante, na caixa, por exemplo, utilizando a tração humana, iniciou-se a saga do presente para carregar o menino e sua alegria por diferentes espaços.
Para esperar o Natal, o bebê partiu para um passeio com os avós. Foram para uma praça da cidade, onde se pratica esportes em aparelhos comunitários, e ainda se passeia com pequenos animais, se senta à praça para tomar uma água de coco, comer um milho verde.
A praça estava vazia. Talvez os preparativos para as distintas ceias natalinas afugentaram as pessoas de suas malhações. Era a hora de malhar o pernil, o peru, ou outras guloseimas. E fomos divertir o e com o menino.
A cada aparelho de ginástica que ele via era uma alegria. Uma alegria captada por uma câmera digital da vovó. E a hora foi passando e o menino a tudo curtia, alegremente e prestava atenção a cada detalhe, a seu modo de ver as coisas com as quais ele constroi seu universo infantil.
Enfim, a noite chegou e encontramo-nos em meio a abraços largos e sorrisos tantos e maiores que aqueles, na ceia de Natal, entre amigos, tios, primos, avós e bisavós por parte de pai do pequeno Theo, num ambiente acolhedor, digno da celebração do aniversário de Cristo. E foram tantas as alegrias que o menino a todas observava carinhosamente, encantado entre luzes e afetos emanados pelas pessoas que ali se irmanavam para a grande festa.
Uma noite memorável. Um Natal de amor, entre a gente do lugar, sua história linda, seu espírito aberto, sob a batuta do biso Benedito, a comandar a festança ao longo de seus oitenta e sete anos de alegria. Um discurso simples do ancião marcou-me a esperança do Natal. E ele, saído de uma breve internação hospitalar naquela tarde, mas com voz forte, olhar atento, disse com ternura: - quero saudar toda esta família, nesta noite cristã e desejo que no ano de 2014 nos encontremos novamente juntos, em paz, em harmonia, para a comemoração de mais um Natal, com o nosso tradicional amigo-secreto. À fala do simpático e alegre biso, seguiu-se o ritual cristão das orações e preces, seguidos do “Viva Jesus”, puxado com acorde vibrante da vó Marogênia do pequeno Theo.
Foi muito bom viver o primeiro Natal com o nosso neto. Com os nossos amigos. Foi ótimo partilhar alegria, carinho, amor e dividir o neto com os outros parentes do menino, no mesmo ambiente. Foi maravilhoso ouvir o depoimento de nossa filha de que o Natal surgia com outro sentido no que ainda restava do ano de 2013. É evidente que ela esteja, de fato, ciente de que a magia adicional chegou a sua vida. Natal é tempo de celebrar com a família. E, a chegada do bebê para os pais Liza e Paulinho, sinaliza isto, apesar de o garoto ainda pouco compreender estes significados.  Incluí-lo na festa, eis aí o grande ensinamento e isto ele aprenderá ano a ano.
Mais do que presentes, estar presente, talvez o grande aprendizado do primeiro Natal de Theo. E ele esteve lá: firme, forte, sorridente.
Fico com as palavras de Rainer Maria Rilke para as considerações finais sobre este Natal de dois meninos: o menino Theo e o menino-aniversariante: “Isso é Natal, sentir no peito uma vez por ano a expectativa, a esperança inabalável, de que o adulto, ora vigorando em nós, nos quer surpreender, não um pouco, não, muito, com o infinito.”

São José do Rio Preto, 25 de dezembro de 2013. Dez meses do menino Theo, com os parabéns do vovolisio.


terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Balada à beira do berço

Sintomas de avô e de avô, certamente, são o da alegria, do contentamento, da emoção e da felicidade. Que confirmem meus colegas avós seus mais profundos sentimentos por esta passagem da vida. Ela não tem data, nem um tempo definido. Às vezes acontece precocemente, doutras, num dado tempo ao qual nos caiba escolher. Somos coadjuvantes do fato.
Uma professora que passou pela escola em que trabalhava até recentemente, um dia, ao saber de minha condição de futuro avô, me disse: - que alegria, diretor, você poder escrever um livro de histórias para o seu neto Theo, que terá o privilégio de ter um livro produzido pelo avô e, com ele, aprender muito das coisas do mundo, de sua história, de suas coisas.
Recebi o conselho apenas. Não me vi escritor de meu neto, no livro especial para o menino.  Venho assistindo, devagar, aos acontecimentos da vida dele, curtindo a meu modo a arte de ser avô. Venho guardando comigo as delícias e os sentimentos da mais nova trajetória de minha vida, e, também, venho criando brincadeiras para gastá-las com o menino – e olhem que ele curte muito – ainda que pareçam desprovidas de graça, ridículas, irritantes e fora de contexto. Cá entre nós: acho que o menino não pensa nada a respeito disto, a olhar a cara de alegria e o riso irrestrito a que ele se entrega. É uma arte e tanto, confesso.
Hoje, após o primeiro texto escrito – Carta ao menino –  quando ele nasceu, em fevereiro de 2013, volto a escrever sobre o nosso querido Theo, em peripécias que envolvem seus pais. Como é bom ver os pais aprendizes a lidar com a questão do afeto, do cuidar, do educar no sentido mais profundo do tema. É de orgulho minha prosa. É de alegria o correr da pena a falar de uma cena a que assisti recentemente, na casa de meu neto, à beira do berço.
O pai do menino, meu genro, é tão tímido quanto é o seu imenso caráter e o coração. Ele é quieto, observador contumaz, cauteloso. É também amoroso até onde o amor possa levar. E assim, em companhia de Liza Mirella, sua mulher, minha filha, a mãe do menino, vão educando o pequeno encantador de gente grande, a sua maneira.
Pois bem: incentivado pela mulher, lá foi o pai pegar um de seus diversos violões para demonstrar aos avós do guri, o quanto o menino curte música. E, timidamente dedilhou e, de repente, de compasso em compasso, o som invadiu o quarto, tomou conta do berço, já todo agitado com a alegria demonstrada pelo pequeno baladeiro de berço, a dançar voluptuosamente em seu território de dormir. Um frenesi tomou conta da criança, e os pais, ali, em seu modo de ser, curtiam o que os avós, em segundo estágio, deixavam-se embalar pelo ritmo e melodia que emanava do lugar.
A mãe, também tímida, mas de leveza de corpo e de movimento para a dança – algo de que sempre gostou -  não perdeu seu lugar de produtora de som e mandou um ritmo em inglês, para o delírio do filho – e alegria dos pais. Por que não?
Aparentemente, algo simples. Coisas que acontecem no interior das casas, quando os pais, a sua maneira, gerenciam o amor por seus pupilos. Às vezes, longe do convívio dos parentes. A cena a que assistimos, além de emocionar os avós todo o encantamento produzido pelos netos é bem vinda, é linda, é permissível – faz com que se note que o afeto, o carinho, o tratamento de filho é algo construído no cotidiano, entre seus pais que, assim, passam valores, gostos, incentivos, estímulos e influências a suas crias.
Acredito que, agora, na melhor idade, como cidadão sexagenário, os pais mais jovens, com seus talentos, podem ensinar a gente – que teve um tempo limitado para embalar os filhotes – como é boa e desejada a felicidade que se constroi, seja num canto da casa, seja no canto à beira do berço: o que importa é a alegria de viver que o fato gera ao menino.

Notas musicais afinadas e uma honraria em mil compassos a vocês Liza Mirella e Paulinho pela felicidade em serem pais com amor embalado, de ritmo alegre e colcheias, fusas andantes de alegria. 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Flores de Sueli

A data, já gravada na memória, remete a um tempo de início de namoro: a primeira de tantas flores: uma orquídea, cujas pétalas acabaram indo se secar e ficar no meio de um livro. Uma semente que um dia germinaria.
Sempre tivemos plantas em casa: samambaias de metro, antúrios, lírios ou mesmo as nossas “suculentas” cultivadas com carinho.
As orquídeas, enfim, tiveram o seu tempo de colheita, após a longa semeadura, aquela flor que o livro guardou e que o tempo cuidou de ruir, fruto de um desejo, germinaria aqui em Rio Preto, por volta dos últimos cinco anos, definitivamente.
A chácara que temos foi o lugar ideal para o cultivo. Comprando ou ganhando vasos com orquídeas, após a florada, o destino era plantá-las nas árvores do lugar.
Mas, a questão de paixão, é alimentada com o olhar, com o namorar as espécies e não dava para vê-las, diariamente, na chácara. A ideia foi trazê-las para a “casa grande”.
A flor que entrou em nossas vidas há anos, fez colorir e mudar nosso olhar para elas: era preciso estudá-la para o cultivo adequado. Sueli então começou a aventura pelo conhecimento: se há um site sobre orquídeas, eis ali o mouse, o olhar, o encantamento dela frente às espécies. Depois de muita pesquisa ( e perda de espécies por excesso de terra e água,conseguiu convencer a si e ao marido, de que orquídeas necessitam de pouco para o seu desenvolvimento e, assim praticando o uso adequado de substratos por espécies, aprenderam a lidar com mais propriedade com Wandas, arundinas, phalenopsis, dendrobiuns, denfales, cinbidiuns, oncidiuns,catleyas e tantas outras.
As revistas, novas ou velhas, são espiadas, lidas, pesquisadas, compradas por Sueli, que também coleciona para a prática, os equipamentos necessários ao ofício.
Sabe de adubos, de pesticidas, de prevenção e das ideias mais fantásticas para o cultivo, poda, rega, enfim, a arte de cultivar suas flores prediletas. Não que um bom capitão (espécie de planta comum) ou uma florinha silvestre, escape de seus olhos, canteiros floridos.
Cabe ao marido a parte acadêmica para, posteriormente praticar as teorias: ele frequenta os cursos específicos, como cultivo de orquídea, jardim vertical, mini jardim etc, sob a orientação de Sueli, a incentivadora.
Difícil perder uma quarta-feira no CEASA, ou uma feira (às terças), e voltar para casa sem flores. Visitar uma feira ou exposição de orquídeas é deixar-se perder entre as belezas das espécies.
Sueli é também fotógrafa de flores: haja arquivo no computador para tanto registro de catléias em flor, de mini dendro, e toda e qualquer espécie que lhe encha a câmera e as lentes de tanta beleza.
Vindas para casa, e com a compra ou os presentes recebidos, o difícil foi arranjar tanto lugar para conviver com as plantas. Não houve saída: era preciso construir um orquidário (ainda que singelo e com olhares amadores), sem, contudo, perder de vista os conceitos básicos: umidade, ventilação e luminosidade.
Pois bem: o difícil agora é sair e deixar as filhas sozinhas. É preciso o olho vivo com elas, a conversa diária, a rega cuidadosa do final de semana, em que se vive mais intensamente com a companhia delas.
Recentemente o casal teve de viajar num final de semana destes quentes da cidade. Um vento veemente de inverno quente acidentou um painel de orquídeas da varanda: como a dor de um filho, foi duro ver algumas espécies deixadas ao solo, sozinhas, quase que secas, sem carinho.
São mais de duzentos vasos. Cada planta, uma história, um desejo, um prazer e uma (ou muito mais) foto espalhadas por diversos arquivos digitais.
As plantas mudaram a vida do casal. É prazeroso cuidar delas, pensar nelas, buscar estudar sua natureza, seu cultivo. É terapêutico, é saudável, é sentir-se generoso com a natureza e espalhar possibilidades de ampliar a floração, ou, simplesmente, observá-las, apenas, espiando aqui e acolá um brotinho novo a despontar ou um ácaro insistente a combater.

Difícil, agora, ausentar-se delas.

 

domingo, 5 de maio de 2013

Agulha na carne

Um canal fechado de TV produziu, há poucos anos, um programa documentário, a exemplo do que, no final de 2007, um jornal da capital paulista veiculou, e desvelou a exploração do trabalhador boliviano, nas Oficinas de Costura, em São Paulo.


Os filhos do deserto, onde a terra esposa a luz, das tribos de homens nus, os guerreiros ousados, denunciados nos versos de Castro Alves, são agora os filhos dos Andes e chegam sem cruzar mares, sem navios, sem conforto e sem perspectiva, à estação Rodoviária paulista, e atualizam a versão dos navios negreiros de outrora. Surgem as novas senzalas.

Clandestinos, ao entrarem no país, “admitidos” por patrícios ou intermediários, por “bons ganhos” e com promessa de felicidade, os profissionais da agulha e linha, “acertam” seus contratos de trabalho, sem se dar conta das jornadas escorchantes de trabalho, do ingresso nos porões tecidos com retalhos descorados.

Passam, assim, a compor o cotidiano dos vieses de suas vidas já severinas, perdidas entre traçados, alinhavos, pontos a costurar peças que, juntas a essa realidade, as prendem nas Oficinas de Costura do Brás, do Bom Retiro, do Parí e adjacências, em troca de comida, moradia, ou, ainda, alguns centavos ao dia para tecer, fiar, coser roupas de grife (ou com etiqueta que a valha), as quais, certamente, não servirão para aquecer-lhes o corpo, ou quiçá adorná-los.

É notório que o fenômeno da globalização econômica provoca a migração. A desigualdade regional repete o movimento e faz deslocar pessoas em busca de melhor situação de vida. É fato, também, que essa migração leva à exploração e à degradação humana.

Impossível aceitar a nova senzala. Impossível não se indignar ao saber que se produzem, no maior centro da moda do país, estação a estação, coleções e coleções, ainda que populares, que despem o direito da pessoa.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

ENFEITES DE NATAL?


Segunda-feira, 26 de outubro de dois mil e nove. Um desses dias preguiçosos para todos, e, em especial para professores e alunos da escola pública, que têm trabalhado aos sábados para repor o período do recesso gripado. O porco ainda anda dando trabalho!
Ainda era bem cedo. As pessoas caminham para seus diferentes destinos. Os carros, ônibus e motos subiam e desciam a Avenida Mirassolândia em seu ritmo frenético, para levar seus passageiros aos diversos recantos da cidade.
No primeiro balão, perto da escola que tem o mesmo apelido, de longe vi algo que piscava e pensei: - será que já é Natal? Sem ter respostas, numa confusão de idéias olhei para os lados procurando outras alegorias, festões, cordões, renas, papais noéis, árvores e tudo mais que torna o Natal mais real, mesmo que ainda seja outubro. Afinal, as lojas, passado o Dia das Crianças, apelam imediatamente para o nosso sentido consumista e nos faz pensar nos presentes das pessoas queridas, que, durante todo o ano, convivemos juntos e, como de praxe, nos final do ano, nosso lado Papai Noel aflora, a ponto de nos fazer distribuir, entre laços e abraços, blusas, camisetas, livros e brinquedos.
   De repente, me toquei: vi que eram luzes a piscar, não aquelas de Natal. Era o painel do novo radar, instalado perto do balão - em testes - para diminuir a pressa nossa de cada dia, seja na corrida para a escola, para o trabalho, sempre com o alvo de não perder tempo, e assim, lembrar os apressados que a vida precisa de pausas, nem que seja o momento em que os Correios nos tragam uma surpresa. Não aquela carta com a resposta do pedido atendida pelo bom velhinho, mas o aviso da Prefeitura lembrar que velocidade tem limite, e, ao desrespeitar os sinais, particularmente o radar, multa nas carteiras dos motoristas.

São José do Rio Preto, 26 de outubro de 2009.

 

Crônica realizada a pedido da Prof.a Luciene para problematizar o assunto com seus alunos do quinto ano.

Jogos e jogadas


Longe está o tempo da bolinha de gude, do pique, dos peões de madeira, das peladas nas ruas (entenda-se futebol) e outras aventuras que povoaram o mundo infantil. Ficaram longe as brincadeiras da velha infância: talvez, esmagadas por construções, muros, presídios, no que foram os terrenos, as esquinas, as quadras inteiras, nosso território de vida das ruas de outrora.
Os dias de primavera nas tardes fagueiras dos bosques, a matinha peculiar de cada cidade onde as crianças, voavam de cipó a cipó, numa grande concentração de Tarzans esconderam-se, afugentaram-se em meio aos gibis, histórias de vida tecidas pelos então pequenos heróis.
Cowboys, índios Apaches ou Sioux, mocinhos ou bandidos: éramos herois, apenas isso. E valia o brincar até quando a tarde morria e nos lembrávamos, com frio na barriga, e com um gosto de transgressão, dos ensinamentos dos pais sobre os perigos do nadar às escondidas, dos mergulhos não autorizados nos córregos da cidade, mesmo assim, a gente arriscava e o fazia, a fim de tomar um gole de aventura e de felicidade.
Os carrinhos de rolimã rasgavam ruelas, ladeiras, calçadas: as disputas desenfreadas, quase sempre, terminavam até mesmo com a alegria dos joelhos ralados.    
Os terrenos baldios não tinham esse ar de abandono dos de hoje. Eram territórios de jogadores de bolinha de gude, de pião, das peladas, do esconde-esconde, do pega-pega, do taco, ou “bete”, aquele jogo das vidraças estraçadalhas... afinal, eram brincadeiras infantis.
Vida controversa! E lá fora, distante, fria, perigosa ficou a rua dos meninos. O brincar infantil da atualidade já integrou a era digital: celulares, câmeras, players de MP5, jogos de luta, de guerra e tantos outros entretenimentos. Um apelo tecnológico assustador. Uma roda viva sem cabanas, nem cavernas, ou forte apache. Novos jogos numa vida, talvez, de faça-de-conta.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

A pedra de Esmeralda


Esmeralda foi sempre uma boa menina: desprovida de bens materiais, plena, porém, de ideais elevados. Viveu sempre a esperança de dias melhores e, enquanto esperançava, conduzia as delícias dos dias de infância nunca perdida, apesar de tamanhas dificuldades.
Tecia-se a vida na escola, nas brincadeiras infantis, na ajuda em casa, na “panha” do algodão, no amendoim raleado e café catado, para sobreviver.
Chegou um final de ano. Desses que param as pessoas à celebração dum ciclo e, com ele, a passagem do tempo e das conquistas, expressa pelo famoso “amigo-secreto”.
Na escola, Esmeralda e a turma cultivavam os momentos daquele primeiro amigo-secreto. Ela, a boa menina, esmerou no presente de sua amiga, apesar dos recursos parcos e foi-se para as emoções da vida em grupo, sempre a pensar em quem seria a sua ou o seu amigo-secreto.
E era ele: Justo, um garoto de posses e bem apessoado. Justo embrulhou a esperança de Esmeralda num belo pacote e nele colocou uma pedra qualquer de rua, guarnecida com duas balas de hortelã. A pedra de Esmeralda era apenas um presente frio, inválido, seco, tal qual Justo, o pobre menino rico, a brincar com os sentimentos alheios.
Esmeralda cresceu, progrediu, venceu na vida, e, apesar das pedras e das adversidades, ela mantém o ideal de vida. Entretanto,  quando se trata de amigo-secreto, a pedra fria ainda lhe estremece o coração.   

quarta-feira, 3 de abril de 2013

É só aguardar...


O cidadão, tomado de modo geral como cliente, consumidor, paciente, e outros, está cada vez mais exigente e se atreve a reclamar seus direitos: vai à luta, recorre a órgãos de defesa, a jornais, a rádios e, de repente, num dado lugar ouve-se o grito de alguém que faz parte turba oprimida: - Vou chamar a TV tem! Isto como se ela fosse a solução para todos os males.  
Há, por outro lado, os clientes silenciosos. Esses preferem seguir as instruções do famoso “é só aguardar”, e, cabisbaixos, procuram seu lugar para se sentar engolindo sua indignação. Entretanto, no silenciar das queixas, esses podem trocar de fornecedores.
Logo, qualquer organização prestadora de serviços ou produtos deve primar pelo bom atendimento a seu bem mais precioso: o cliente, às vezes mais paciente que tudo no jogo dos negócios.
As frases feitas das organizações, muitas vezes soam, quase sempre, como ato mecânico dos atendentes, a exemplo do irritante chavão, consagrado pelas recepcionistas de clínicas – é só esperar - acompanhados de vazio, quando de consultas ou de retornos médicos.
O que se percebe, de modo geral, é a falta de envolvimento, a insensibilidade no trato com a dor, com a angústia ou mesmo com a inquietação provocada diante da necessidade de se manter vivo, ao que se recebe, via de regra, tratamento modelizado. O paciente ratifica sua condição de refém da fria recepção.
O que se reflete é que, sem paixão, sem dedicação, sem motivação real em atender às necessidades apresentadas, em antecipar soluções, o relacionamento com o cliente dilui-se em comportamentos burocráticos, gerador apenas de insatisfações. Quem atende precisa, antes de tudo, ser, querer e saber.  É preciso ser o abre-alas de relações duradouras no mundo dos negócios, notadamente nessa Era da Qualidade, tempo de criar e, sobretudo, manter clientes satisfeitos.
O comandante Rolim, da TAM, ao estender o tapete vermelho para tratar o cliente como rei, sinalizava que se a empresa não atender bem, preferencialmente na primeira vez, esse nunca voltará à organização. Ele, certamente, não aguardava, nem sugeria que se aguardasse; agia, com visão de futuro.
Enquanto isso, nas clínicas.... é só aguardar...

Texto originalmente publicado no Jornal Bom Dia, em 2009.