terça-feira, 5 de junho de 2012

Tributo a Oswaldo


Oswaldo, negro alto, forte, dono de uma voz a estilo Nat King Cole, pessoa com quem tive o prazer de conhecer em outubro de 2011 e conviver com ele por alguns dias. A música para ele soava como que a roupa que vestia ou era sua própria alma.
Minha convivência com Oswaldo foi breve, mas deixou lembranças agradáveis, apesar de ele ter sido meu cuidador por aproximadamente duas semanas, num período pós-operatório. Como foram amenas as horas de dor ou de desconforto compensadas pela prosa mansa e o cantarolar constante de meu acompanhante.
Falamos (ele falou mais) de tantas coisas, de histórias de vida, de música, de bailes, de nostalgia. Não chegamos a conversar sobre baladas (em nossa época não era comum esta prática), mas o assunto música, show, festas embalavam a fala da vida dele, da trajetória como músico, estimulado pelo pai, dono de uma orquestra em tempos idos destas agremiações musicais que traziam emoções às noites de outrora. Disto muito se falou, certamente.
Oswaldo contou-me sobre suas peripécias de músico, em tempos dos ônibus que levavam a alegria em notas musicais às cidades diversas, pequenas, grandes, perto ou longe, cortando o estradão, asfaltado ou não, para criar, ao som da orquestra do pai, a alegria de dançarinos em bailes de formatura, de debutantes, de aniversário da cidade ou outros eventos comemorativos, alguns deles, com a presença dos famosos de sua época.  
Numa destas conversas, de repente, arrisquei perguntar-lhe sobre um empresário musical da época relatada. Oswaldo puxou pela memória e disse: é um neguinho magrinho, de óculos, bom de fala, esperto que só? Confirmei que sim e revelei que o neguinho a quem ele se referira era Moraes, meu finado sogro que, dentre tantas venturas, teceu sua experiência como também empresário musical. A prosa, a partir de então, ficou melhor e mais próxima.
Oswaldo falou-me sobre as canções italianas e sua alegria em interpretá-las, com o italiano arranhado a seu modo de pronunciar e de cantar, por meio de seu “erre” retroflexo, marca do caipira regional. Trouxe-me seu ensaio musical preparado para gravar as canções que pretendia lançar em CD, outro ainda gravado em dupla com uma intérprete, com músicas em inglês, espanhol, italiano, com destaque à canção Amigos para sempre, e outras gravações, marcas de seu talento musical. Assim, os dias compridos encurtavam-se e curvavam-se à voz melodiosa dele.
Avançamos sobre os clipes musicais e Oswaldo mostrou-se mais conhecedor do assunto: passamos pela orquestra de Ray Coniff, por André Rieu, por Românticos de Cuba, somados ao solo de tantos cantores e cantoras nacionais e internacionais, Era boa a companhia dele com o toque musical e as histórias contadas e cantadas a cada canção, orquestra, cantor e afim.
Para tudo, o negrão tinha algo a acrescentar. Como eram boas as tardes musicais naquela companhia. E, assim como chegou, cantando e falando de som, o nosso tempo de convívio terminou com minha recuperação. Despedimo-nos e nunca mais me encontrei com o meu cuidador-cantor daquelas tardes de primavera e dos sons suaves ouvidos juntos do ano de 2011.
A vida é uma questão de tempo e de oportunidades. Para tudo há um tempo debaixo do Sol, diz o Eclesiastes e confirmo-o. Uns dias, por algum tempo desfrutei a companhia de Oswaldo, um amigo feito num momento peculiar. E foi este o nosso tempo. Soube ontem, dia 04 de junho que Oswaldo desligou suas cordas vocálicas, seu som suave, seu riso fácil e sua voz aveludada de King Cole. Foi enterrado no domingo.
Che suona il Silenzio in memoria di velluto della voce dolce della cantante Oswaldo.
Emocionado com o passamento do meu amigo, consigo ainda penar em John Donne e em seu poema Meditações XVII ao dizer que:
Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da Terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se o fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; ele dobram por ti.
Caro Oswaldo, sua voz ressoa em mim e os sinos, hoje, dobram por ti. 

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