Oswaldo, negro alto, forte, dono
de uma voz a estilo Nat King Cole, pessoa com quem tive o prazer de conhecer em
outubro de 2011 e conviver com ele por alguns dias. A música para ele soava
como que a roupa que vestia ou era sua própria alma.
Minha convivência com Oswaldo
foi breve, mas deixou lembranças agradáveis, apesar de ele ter sido meu cuidador
por aproximadamente duas semanas, num período pós-operatório. Como foram amenas
as horas de dor ou de desconforto compensadas pela prosa mansa e o cantarolar
constante de meu acompanhante.
Falamos (ele falou mais) de
tantas coisas, de histórias de vida, de música, de bailes, de nostalgia. Não
chegamos a conversar sobre baladas (em nossa época não era comum esta prática), mas o assunto música, show, festas
embalavam a fala da vida dele, da trajetória como músico, estimulado pelo pai,
dono de uma orquestra em tempos idos destas agremiações musicais que traziam
emoções às noites de outrora. Disto muito se falou, certamente.
Oswaldo contou-me sobre suas
peripécias de músico, em tempos dos ônibus que levavam a alegria em notas
musicais às cidades diversas, pequenas, grandes, perto ou longe, cortando o
estradão, asfaltado ou não, para criar, ao som da orquestra do pai, a alegria
de dançarinos em bailes de formatura, de debutantes, de aniversário da cidade
ou outros eventos comemorativos, alguns deles, com a presença dos famosos de
sua época.
Numa destas conversas, de
repente, arrisquei perguntar-lhe sobre um empresário musical da época relatada.
Oswaldo puxou pela memória e disse: é um neguinho magrinho, de óculos, bom de
fala, esperto que só? Confirmei que sim e revelei que o neguinho a quem ele se
referira era Moraes, meu finado sogro que, dentre tantas venturas, teceu sua
experiência como também empresário musical. A prosa, a partir de então, ficou
melhor e mais próxima.
Oswaldo falou-me sobre as canções
italianas e sua alegria em interpretá-las, com o italiano arranhado a seu modo
de pronunciar e de cantar, por meio de seu “erre” retroflexo, marca do caipira
regional. Trouxe-me seu ensaio musical preparado para gravar as canções que
pretendia lançar em CD, outro ainda gravado em dupla com uma intérprete, com músicas
em inglês, espanhol, italiano, com destaque à canção Amigos para sempre, e outras gravações, marcas de seu talento
musical. Assim, os dias compridos encurtavam-se e curvavam-se à voz melodiosa
dele.
Avançamos sobre os clipes
musicais e Oswaldo mostrou-se mais conhecedor do assunto: passamos pela
orquestra de Ray Coniff, por André Rieu, por Românticos de Cuba, somados ao
solo de tantos cantores e cantoras nacionais e internacionais, Era boa a
companhia dele com o toque musical e as histórias contadas e cantadas a cada
canção, orquestra, cantor e afim.
Para tudo, o negrão tinha algo a
acrescentar. Como eram boas as tardes musicais naquela companhia. E, assim como
chegou, cantando e falando de som, o nosso tempo de convívio terminou com minha
recuperação. Despedimo-nos e nunca mais me encontrei com o meu cuidador-cantor
daquelas tardes de primavera e dos sons suaves ouvidos juntos do ano de 2011.
A vida é uma questão de tempo e
de oportunidades. Para tudo há um tempo debaixo do Sol, diz o Eclesiastes e
confirmo-o. Uns dias, por algum tempo desfrutei a companhia de Oswaldo, um
amigo feito num momento peculiar. E foi este o nosso tempo. Soube ontem, dia 04
de junho que Oswaldo desligou suas cordas vocálicas, seu som suave, seu riso fácil
e sua voz aveludada de King Cole. Foi enterrado no domingo.
Che suona il Silenzio
in memoria di velluto della voce dolce della cantante Oswaldo.
Emocionado com o passamento do meu amigo, consigo ainda
penar em John Donne e em seu poema Meditações XVII ao dizer que:
Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma
partícula do continente, uma parte da Terra; se um torrão é arrastado para o
mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se o fosse o
solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui,
porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos
dobram; ele dobram por ti.
Caro Oswaldo, sua voz ressoa em
mim e os sinos, hoje, dobram por ti.
Nenhum comentário:
Postar um comentário