Era quase carnaval. Naquela manhã de quinta-feira não garoava mais na
Terra da Garoa. A estação Paraíso do Metrô mais negava que confirmava seu nome
de batismo. As pessoas esperavam pelo trem como a última esperança.
De repente, “fui entrado” num dos vagões. Como um troféu, consegui um
lugar. A meu lado, sentada, uma senhora vociferava contra o serviço ao qual
paga, apesar da idade. Bradava, à busca de se fazer ouvida, pela multidão que,
agarrada ao que podia, parecia alheia às queixas de quem se dizia “louca,
maluca”, pelos anos que lhe arcavam o corpo cansado, todavia uma alma em luta.
Ia para as Clínicas. Segunda razão de seu desconforto: soube de véspera,
que o exame da neta, há tempo marcado, fora cancelado. A procurar saber o porquê
do cancelamento, esbravejou que a “mocoronga” que viera atendê-la no balcão informou
sobre os novos procedimentos para exames especiais.
De olho vivo nos passageiros do trem-sardinha, a idosa cidadã disse que
“faria o diabo” naquele Hospital e, se preciso, enfrentaria Diretores, mas que
o exame – “que não é de graça como pensa o povão” – seria feito e como seria!
Seria sim, porque, segundo ela, os políticos não sabem o que é fila,
vila, favela, senha, fome e desesperança. A cada necessidade, um assessor, um
ajudante, sempre pronto a lhes fazer as vontades, a preços custeados pelos
pobres.
Não resisti à curiosidade e quis saber o nome da guerreira do trem. O
trem parou nas Clínicas, Alcineide apeou. O vagão a ouviu, entretanto, ninguém
se moveu, ninguém a acompanhou, ninguém empunhou sua bandeira. As dores e
lamentações da pobre mulher parecem ter saído do trem quando ela desceu na estão
Clínicas. Sua dor, certamente não sairá no jornal. Penso que nunca mais verei
Alcineide. Temo uma coisa: que suas palavras sejam como as cinzas dessa
quarta-feira.
São Paulo, fevereiro de 2008.
Texto originalmente publicado no Jornal Bom Dia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário