domingo, 5 de maio de 2013

Agulha na carne

Um canal fechado de TV produziu, há poucos anos, um programa documentário, a exemplo do que, no final de 2007, um jornal da capital paulista veiculou, e desvelou a exploração do trabalhador boliviano, nas Oficinas de Costura, em São Paulo.


Os filhos do deserto, onde a terra esposa a luz, das tribos de homens nus, os guerreiros ousados, denunciados nos versos de Castro Alves, são agora os filhos dos Andes e chegam sem cruzar mares, sem navios, sem conforto e sem perspectiva, à estação Rodoviária paulista, e atualizam a versão dos navios negreiros de outrora. Surgem as novas senzalas.

Clandestinos, ao entrarem no país, “admitidos” por patrícios ou intermediários, por “bons ganhos” e com promessa de felicidade, os profissionais da agulha e linha, “acertam” seus contratos de trabalho, sem se dar conta das jornadas escorchantes de trabalho, do ingresso nos porões tecidos com retalhos descorados.

Passam, assim, a compor o cotidiano dos vieses de suas vidas já severinas, perdidas entre traçados, alinhavos, pontos a costurar peças que, juntas a essa realidade, as prendem nas Oficinas de Costura do Brás, do Bom Retiro, do Parí e adjacências, em troca de comida, moradia, ou, ainda, alguns centavos ao dia para tecer, fiar, coser roupas de grife (ou com etiqueta que a valha), as quais, certamente, não servirão para aquecer-lhes o corpo, ou quiçá adorná-los.

É notório que o fenômeno da globalização econômica provoca a migração. A desigualdade regional repete o movimento e faz deslocar pessoas em busca de melhor situação de vida. É fato, também, que essa migração leva à exploração e à degradação humana.

Impossível aceitar a nova senzala. Impossível não se indignar ao saber que se produzem, no maior centro da moda do país, estação a estação, coleções e coleções, ainda que populares, que despem o direito da pessoa.

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