quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Carnes sobre os túmulos


Um dia bem distante, a pequena e laboriosa cidade despertava de sua rotina: vida pacata, o ir e vir lento do interior, observado por olhares espiões dentre as janelas. Tudo estava acomodado em seu lugar.
Na calmaria do dia que seguia seu curso, de repente, a cidade toda acordou de sua letargia. Da última parada do lugar – o cemitério da saudade – vinha a notícia de que “carnes emergiam de algumas sepulturas”, fato bastante para inebriar o pequeno canto do noroeste paulista.
A população voltou sua vida ao centro do mistério. A curiosidade apressava a ida ao local do acontecimento misterioso. Crianças, mulheres, trabalhadores, autoridades corriam num frenesi incontrolável. Corria-se para a “terra dos pés juntos” da forma como se podia: de bicicleta, de perua, a pé, de carona, de charrete. Importava, àquela época, conferir a estranha novidade.
O administrador do cemitério não sabia mais o que fazer, nem o que responder aos curiosos e à imprensa – àquela época apenas uma rádio e um jornal semanal na cidade.
Quando tudo parecia ameaçar a tranqüilidade da cidade – e da Chácara do Marcelino – como era nomeado o lugar do descanso - chegou a informação oficial: a carne que “brotava dos túmulos” era o excesso de peso de um avião, que transportava o produto de um frigorífico da região a São Paulo, lançando o sobejo sobre o lugar do repouso e do descanso dos falecidos da pequena Mirandópolis.


São José do Rio Preto, fevereiro de 2013.
Texto original publicado no Jornal Bom Dia – em 2008.

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